Clube de Leitura
Entrou esbaforida no apartamento, fazendo tudo ao mesmo tempo, trancando a porta, atirando o molho de chaves no rack, jogando a bolsa numa cadeira e, aos pulos, se livrando dos sapatos (ai, que alivio!) e suspendendo a blusa para se livrar também do sutiã, as alças passando pelas cavas da blusa e pensando "que pena não ter seios pequenos, juro que nunca usaria essa coisa”. Por mais bonitos que o sejam (e cada vez mais os estilistas incrementam, embelezam os sutiãs) não passam de uma jaula, uma prisão.
A correria toda era por ser sexta-feira, a 3ª do mês, dia da reunião do clube de amigos e conhecidos de amigos, umas 12 pessoas que adoravam ler e falar, falar, falar a respeito do que estavam lendo, do que gostariam de ler, trocando impressões e, acima de tudo, gente que fazia da literatura uma boa desculpa para estreitar seus laços de amizade sem cair na esparrela das fofocas, dos segredos contados ao pé do ouvido, dos assuntos triviais. Gente que prefere ler histórias que bem que poderiam ter vivido.
Sofia precisava preparar tanta coisa ainda, o que comer e beber? As únicas coisas que tinha para servir eram um pouco de azeitonas verdes e pipoca ainda por fazer. Como comem, como come esse povo amante da boa literatura. Mais ou menos como aqueles amantes de “O declínio do império americano”, transando e discutindo filosofia, eles levam a mão à bacia de pipoca com um livro aberto na página tal "onde tem um parágrafo que vocês têm que ouvir, olha só". E lêem de boca cheia. Tudo é permitido neste nosso clube.
A coisa toda começara espontaneamente numa noite em que a turma se encontrou pra combinar mais uma das viagens que fariam juntos. Dentre as novidades que tinham pra repartir, havia o curso "Entre as brumas com Arthur" que Sofia terminara de fazer na última segunda-feira. Mesmo os que nem gostaram tanto assim de As brumas de Avalon ou nem haviam lido o livro ainda, a escutaram com interesse e paciência. Sofia discorreu sobre alguns dos tópicos que a série de palestras havia abordado. Que tal a gente se reunir mais para fazer esse tipo de coisa? Falar de livros. Que tal? A ideia foi jogada assim, no meio da conversa, sem compromisso, sem expectativa.
O Clube foi criado naquela mesma noite. Mas ela só acreditou na seriedade das intenções deles mesmos, quando na 1ª reunião todo mundo realmente compareceu.
E hoje é dia. Dia de discutirem, quem sabe, aquele parágrafo lindíssimo de Rumo ao Farol, da Woolf. É o que Sofia vai propor. Se ninguém mais tiver trazido um texto especial... Ganha o que a maioria preferir.
Agora ela pensa nas músicas que vai programar para tocar ao fundo. Aquele cd do Schumann, tudo bem, mas Ravel não, o Bolero sempre rouba a atenção, sempre. Terá também o novo cd de jazz que ela mesma criou copiando música na net. Tem Winton Marsalis, Nina Simone, Ella Fitzgerald, Bessie Smith, Countie Basie e muitos outros.
Quase tudo pronto. Enquanto deixa no fogo a panela do creme de ervilha esquentando, vai tomar seu banho porque dali a pouco a campainha toca e começa o ritual:
Sofia de dentro do apto.: - "Quem vem lá"?
A voz no hall do andar: - “Uma tempestade de letrinhas”.
Claro, o clube tem senha. E claro, tem nome: “Página em branco”.
Para lembrar como sempre começa para um escritor a viagem de criar uma história que será lida, relida, decorada, esquadrinhada, analisada, admirada, rejeitada, invejada, copiada, à exaustão, per seculum seculorum.
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