Não confio mais nas cigarras



Em tempos de conferências para discutir medidas visando diminuir as consequências de séculos de descaso com o planeta, cá do meu quintal fico observando as mudanças irreversíveis já ocorridas.

Ouço seguidamente as pererecas e nada de chuva. Canta a cigarra chamando tempo bom (o cigarra, melhor dizendo, porque é ele quem canta) e então acontece o contrário, desabam temporais.

Seria o caso de não confiar mais nas cigarras, nas pererecas?

Para onde voaram as joaninhas da minha infância, lindas em sua roupa de bolinhas? E os camaleões transparentes, dos quais morríamos de medo que despencassem do teto sobre nós quando estávamos deitados em nossas camas porque “grudavam” na pele?

Agora entram por minhas janelas insetos nunca vistos, nem por minha mãe. As mangueiras dão frutos que caem antes de amadurecerem, e já foi dito que as mangueiras da Mata Atlântica estão doentes.

Não, não dá mais tempo.

E como sempre aconteceu, uma geração será suplantada.

Somos espectadores e protagonistas do espetáculo desta seleção natural.

Já somos jurássicos.

Não gostamos do que assistimos porque somos aqueles que serão substituídos por uma geração que esteja mais preparada. A geração dos que respirarão um ar que para nós já está poluído; uma geração que suportará as absurdas temperaturas de que já percebemos o prenúncio; a geração que comerá uma comida quimicamente diferente no sabor, cor e textura, desta que estamos acostumados a comer.

Uma geração que nunca ouvirá cigarras ou pererecas nem verá camaleões e joaninhas.

E não sentirá a saudade que sinto deles.

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