Dona Jovana

Aquela avó pecava pelos excessos. Tudo nela eram cuidados excessivos, o próprio medo antecipado. Sofrera tanto na infância, separada da mãe e irmãos por conta desse machismo bárbaro que justifica ou camufla? sua maldade, ignorancia e frieza sob o véu da moralidade.
Porque naqueles tempos não ficava bem uma viúva morar só com seus filhos, sem homem na casa para ocupá-la, controlá-la; sozinha, o que ela acabaria por fazer? e o que diriam os vizinhos, os conhecidos?
A bisavó voltou, assim, ao abrigo ou jugo? do irmão mais velho. Mas nem só de moral alimenta-se um homem e sua irmã viúva mais seus filhos. Faz-se então o que era piedoso: cada filho enviado ao abrigo de um senhor fazendeiro que à menina nem mesmo deu o pão que o diabo amassou. Aquela avó comia na escada, longe da mesa da família, aquilo que sobeja e se dá generosamente a cães, porcos e meninas. Até seus cabelos longos a menina perdeu num ataque de higiene da distinta esposa do fazendeiro. Sofreu e chorou enquanto fazia todo tipo de trabalho, típico do sexo feminino, aquela menina.
As marcas de todo esse sofrer acrescentados aos outros mais que a vida lhe trouxe eram sua marca registrada. Que tesouro a foto em que gargalha!
Os netos ela trazia sob suas saias, a ponto de exagerar nos gritos de:

Onde você está menino? - tô aqui, vó.
Onde? - no banheiro.
Fazendo o queêê? - ...

ou

Sai da rua menino,
Não come cajá verde, vai fazer mal,
Sai do sol,
Não pisa descalço na terra,
Não corre assim.
Não! Não! Não!

Um dia os netos rebelaram-se e em fila saíram para a rua, tentando fugir para a casa de uma das tias, mais liberal, exclamando, um de cada vez e socando a mão esquerda com a direita:

A mais velha: - Eu não aguento essa avó!
A do meio: - eu também não guento.
O mais novinho: - eu num dêntu essa vó.



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Liege Lopes disse:
"A mais velha hoje diz: Que saudade dessa vó..."
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Ricardo Duarte disse:
"Que engraçado! Acho que todas as crianças já fizeram isso - maldizer algum adulto que lhes está chamando a atenção. Um tipo de raiva que com a mesma facilidade que vem, vai.
Linda foto - por ela, jamais perceberia a história que você contou. Moral... É por essas e outras que quando escuto "antigamente era melhor", sempre penso: 'Não se engane - nem melhor nem pior'."

Um comentário:

  1. A avó raramente gargalhava. Sorria, de boca fechada, um riso contido. Esta foto é uma relíquia. Não me lembro mais como consegui, já depois dos 20 anos, fazer algum comentário, alguma graça que a fez gargalhar. Estava com minha Olympus Trip e fiz a foto.

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