Livro: Se um viajante numa noite de inverno, Italo Calvino

"No fecho do século XIX, o poeta francês Stéphane Mallarmé sonhou um livro aboluto - aquele Livro que tomaria o lugar de Deus, princípio e fim de toda consciencia humana. Quase cem anos depois, ainda que (ou melhor, talvez por causa disso mesmo) ciente de tamanha impossibilidade, Italo Calvino se deixa envolver por essa suprema ambição e oferece, em Se um viajante numa noite de inverno, aquilo que poderia ser "o romance de todos os romances", romance cuja estrutura narrativa só adquire sentido em função do ato de escrever e, sobretudo, do de ler.


Um livro que se auto-apresenta ao leitor assim:
Estás para começar a ler o novo romance Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino. Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos. Deixa esfumar-se no indistinto o mundo que te rodeia. A porta é melhor fechá-la; lá dentro a televisão está sempre acesa. Diz aos outros: "Não, não quero ver televisão!". Levanta a voz, senão não te ouvem: "Estou a ler! Não quero que me incomodem!". Não devem ter-te ouvido, com aquele barulho todo; fala mais alto, grita:”Estou a começar a ler o novo romance de Italo Calvino!"

Alguns livros marcam minha vida, entram na lista de re-leituras. Assim é 'Se um viajante numa noite de inverno' de Italo Calvino.

Livro cujo personagem central é o próprio objeto-livro. Que divide a tarefa da escrivinhação com o leitor, ao se colocar na pele de quem o está lendo. Que sugere posições para ser lido, que brinca com o próprio ato de ler (e escrever) e que depois mergulha num labirinto, num quebra-cabeças de estilos e estórias, onde um livro leva a outro e a outro... que nunca é concluído...

Genial, ousado, surpreendente, desafiante, profético e atualíssimo (foi escrito em '79).
Perfeito para quem saboreia e ama esse objeto feito de papel, tinta e palavras.
Perfeito para quem gosta dos bastidores da criação da literatura e, claro, para quem não se importa em ficar sem saber o final da história...

Tradução de Margarida Salomão, Nova Fronteira, 1982

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