“A música pode fazer pela alma o que nenhuma
atividade perceptível aos sentidos pode realizar.”(El Morya)
Posso afirmar que faz.
A música que me fêz sintonizar com algo superior e profundo dentro de mim mesma ou em outras esferas ou em ambos os lugares, foi Golden Slumbers dos Beatles.
Como eu os amei! Por tudo que simbolizaram no período mais crítico em minha vida. Como se ao econtrá-los me fosse entregue a parte que me faltava, como se eu descobrisse que não estava só, que havia harmonia no universo e eu comungava com ela. A adolescente triste, desesperançada, ensimesmada, desconfiada que fui, vivia para, aos sábados, ouvir por uma hora inteira, na Mundial AM, o Cavern Club que o grande e louco Big Boy iniciava com o brado: “Hello, crazy people.”
Naqueles míseros 60 minutos me sentia sintonizada com a música feita para a minha alma. Para eternizá-los realizava um ritual ao fechar porta e janela do quarto, posicionar o gravador - cujos microfones externos captavam também a passarada nas árvores próximas, atraída pela harmonia dos rapazes de Liverpool - e registrar, silenciosa, aquelas preciosidades em fitas-cassete que eram o meu tesouro, guardiãs e altares. No meu lugar secreto fazia uma oferenda a uma divindade que me era propícia pois me supria do alimento que me nutria e transmutava.
Beatles: um encontro, uma escolha.
Antes eu apenas flutuava satisfazendo pais, família, sem convicções do meu próprio domínio sobre gostos, duvidando até mesmo sobre o instrumento que tocava - por imitação? era verdadeiro o meu gostar do acordeão?
Dos Beatles eu tive uma necessidade visceral que me impulsionava a gestos de afirmação, a enfrentamentos, a dissimulações, a preterir o namorado se ele se adiantasse e o Cavern Club ainda não tivesse terminado... Agora, pensando melhor, será que o que aquele namorado fez foi por ciúme de George, Paul, John, Ringo?
Minha primeira grande tragédia se deu quando o namorado me devolveu as mesmas fitas-cassete apagadas, conspurcadas por outra música. Não entendi jamais o que o levou a fazer aquilo que tanto me magoaria.
Trago ainda o gosto azedo do remorso, da saudade daqueles registros tão reveladores e peculiares que seriam de inestimável valor hoje. Ainda hoje ouço Golden Slumbers e canto e rejo minha orquestra imaginária com a mesma emoção da primeira vez.
O mais curioso é que o ex-namorado esqueceu este fato que marcou tão profundamente minha vida.
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Ricardo Duarte disse...
"Nilva, eu também gosto muito de Golden Slumbers. Conhece a versão da Elis?
Achei esse post emocionante, especialmente quando você diz que ouvir os Beatles era como a entrega da parte que te faltava e a descoberta de que não estava só. Lindo!
Beijos."
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