Filme: Um sonho de liberdade

"Vou te contar aonde irei. Zihuatanejo."

A estrada não trilhada, Robert Frost

Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
e um deles observei até um longo declive
no qual, dobrando, desaparecia...
Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atrativo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.
E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
duvidei se algum dia eu voltaria.
Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
a estrada divergiu naquele bosque – e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.


Um sonho de liberdade, com Tim Roth e Morgan Freeman é um filme a respeito de uma lata de biscoitos escondida sob uma certa pedra preta num muro de pedras existente numa fazenda que está lá em Ohio, a Fazenda Malabar. O que está dentro da lata modificará duas vidas, a de Andy e a de Red. Andy já está em Zihuatanejo, “É no México. É um lugarejo no Oceano Pacífico. Sabe o que os mexicanos dizem do Pacífico? Que ele năo tem memória. É onde quero passar o resto de minha vida. Um lugar quente e sem memória.” Red irá encontrá-lo.

Um filme sobre persistencia. A persistencia de Andy Dufresne em escavar aos pouquinhos a parede que o levará para fora dos muros de Shawshank. A persistencia dele no objetivo que criou, de montar a biblioteca para os presidiários. Persistencia em lutar para alcançar metas, não importa onde esteja, até mesmo dentro duma penitenciária, trabalhando para alcançá-las da melhor forma possível.

Um filme sobre a prisão da alma como a de Brooks, o velho bibliotecário que é posto em liberdade física, mas que não encontra mais seu lugar no mundo, desistindo de se manter vivo, deixando apenas uma frase talhada no travessão de madeira em que se enforca: “Brooks was here”. Esteve. Mas o quanto esteve?

Um filme sobre uma amizade a princípio improvável entre um branco, rico e culto com um negro, pobre, marginal. Que é forte desde o primeiro olhar entre os dois. Red é atraído desde o início por aquele homem calado, embora diga o contrário, diga que "Admito que não fiquei muito impressionado quando o vi. Era muito quieto, andava e falava de um jeito que não era normal aqui." Mas esse mesmo comentário já diz o quanto Red observara Andy.

Um filme sobre o admirável personagem Andy Dufresne condenado a duas prisões perpétuas pois que é suspeito de ter matado sua esposa e o amante dela, dois crimes, duas penas. Admirável é sua quietude, sua serenidade em todos os momentos, enquanto põe em andamento seu plano com inteligencia, segurança e uma audácia invisível e calculada, jogando com as armas do sistema, as mesmas que o colocaram ali em Shawshank. Com as mesmas armas que um diretor hipócrita joga quando diz que os versículos da Bíblia são "a salvação que vem de dentro". E não é que ele tinha razão? Era dentro da Bíblia que Andy escondia a picaretinha com a qual, dia a dia, escavava um pouco da pedra-sabão da parede do presídio criando o buraco que o levaria para fora.

Um filme sobre uma escolha simples, o lema de Andy: "esforce-se para viver ou esforce-se para morrer."
Andy faz a escolha e esforça-se para viver. Desde o dia em que entra em Shawshank. Faz isto apesar do diretor, apesar do chefe dos guardas, apesar dos gays. Usa as armas possíveis: a picaretinha, os cartazes de Rita Hayworth, Marilyn Monroe e Ursula Andress; usa seu conhecimento como banqueiro; usa seu talento como professor. E faz uma dupla perfeita com Red que também usa talentos que a vida marginal lhe deu. Tem contatos com o mundo exterior, conseguindo tudo que lhe pedem, cigarros, cartazes de musas. E é através dessas trocas que consegue benefícios importantes como o de levar consigo um grupo de amigos escolhido por ele, Andy inclusive, para trabalhar fora dos muros.

Constróem uma amizade simples, cheia de respeito e um pouco de mistério. São como imagens espelhadas. São uma dupla. Uma dupla que viverá "Um sonho de liberdade".

Um dos mais belos momentos do filme acontece quando Andy abre todos os alto-falantes da penitenciária para que onde quer que estejam os presidiários, possam ouvir um lindo dueto da ópera As Bodas de Figaro, de Mozart.

E Red diz:
Até hoje não faço ideia do que cantavam aquelas senhoras italianas. A verdade é que não quero saber. Há coisas que é melhor não desvendar. Agrada-me pensar que cantavam acerca de algo tão lindo, que não pode ser expresso por palavras e por isso mesmo nos toca o coração. Eu digo-vos que aquelas vozes voaram mais alto e mais longe que alguém num lugar cinzento ousa sonhar. Foi como se um lindo pássaro entrasse na nossa jaula e fizesse desaparecer aquelas muralhas.



Há sempre um momento, o momento certo e crítico, em que um ser humano decide que chegou a hora, que não deve mais adiar determinada decisão, que tem que enfrentar a própria escolha e caminhar por um caminho novo. Andy tinha tudo planejado há muito tempo mas é a triste descoberta de que seu trabalho transformando vidas em Shawshank, terá sempre o empecilho do poder absoluto e invencível do sistema existente dentro dos muros da penitenciária, o que o faz saber que chegou a hora de sair.

A saída de Andy rastejando pelo esgoto até surgir fora dos muros é emocionante. A mesma chuva que o ajudara na fuga, encobrindo o ruído enquanto quebrava o cano do esgoto, se transforma no batismo de água limpa, no batismo que ele recebe de corpo, boca e braços abertos e que separa o velho Andy do novo homem, literal e metaforicamente.