Não confio mais nas cigarras



Em tempos de conferências para discutir medidas visando diminuir as consequências de séculos de descaso com o planeta, cá do meu quintal fico observando as mudanças irreversíveis já ocorridas.

Ouço seguidamente as pererecas e nada de chuva. Canta a cigarra chamando tempo bom (o cigarra, melhor dizendo, porque é ele quem canta) e então acontece o contrário, desabam temporais.

Seria o caso de não confiar mais nas cigarras, nas pererecas?

Para onde voaram as joaninhas da minha infância, lindas em sua roupa de bolinhas? E os camaleões transparentes, dos quais morríamos de medo que despencassem do teto sobre nós quando estávamos deitados em nossas camas porque “grudavam” na pele?

Agora entram por minhas janelas insetos nunca vistos, nem por minha mãe. As mangueiras dão frutos que caem antes de amadurecerem, e já foi dito que as mangueiras da Mata Atlântica estão doentes.

Não, não dá mais tempo.

E como sempre aconteceu, uma geração será suplantada.

Somos espectadores e protagonistas do espetáculo desta seleção natural.

Já somos jurássicos.

Não gostamos do que assistimos porque somos aqueles que serão substituídos por uma geração que esteja mais preparada. A geração dos que respirarão um ar que para nós já está poluído; uma geração que suportará as absurdas temperaturas de que já percebemos o prenúncio; a geração que comerá uma comida quimicamente diferente no sabor, cor e textura, desta que estamos acostumados a comer.

Uma geração que nunca ouvirá cigarras ou pererecas nem verá camaleões e joaninhas.

E não sentirá a saudade que sinto deles.

Moça, a senhora pisca-pisca?

Mês de dezembro, calor, férias, véspera de natal, o Saara abarrotado de gente, com pressa, suada, com nem tanto dinheiro assim, que vai às compras de presentes mais baratos ou mercadoria pra revender.

Lojas cheias, vendedores zonzos com tanto pedido, tanta devolução, tanta escolha. Gente que negocia, pede desconto, este aqui vai, aquele não, que quer trocar produto.

— Mais alguma coisa, senhora?

Vendedor que sobe e desce escada, faz conta, embrulha.

— Próximo.

Dá pra confundir qualquer um, principalmente a parenta que tem um bazar e que nesta época fica ainda mais atarantada (ainda mais).

Chega pra uma coreana e pergunta:

— Moça, a senhora pisca-pisca?



Outra da parenta:



A família se reúne no dia de Natal para almoçarmos juntos em casa da irmã mais nova por uma série de conveniências: espaço, proximidade para a maioria de nós e todo mundo vai pras suas igrejas à noite.

A irmã do meio mora mais longe de nós e sempre que possível alguém vai até lá busca-la de carro. Uma gentileza que às vezes a constrange e ela tenta a todo o custo evitar.

Dia de Natal, todo mundo num entra e sai na casa da tia mais nova, a churrasqueira já preparada, mesa posta, últimos retoques na decoração da mesa.

— Quem vai buscar a tia? Liga pra ela pra saber se já pode ir.

— E aí, tia, vocês já estão prontos? A gente já pode sair daqui?

— Não, não vem, não, eu já estou no ponto do ônibus, a gente vai se desencontrar. Não vem, não.

— Como assim, tia? Como você está no ponto do ônibus se eu estou falando no seu telefone fixo?

— Hahahahahaha, ela se escangalha de tanto rir.


Nós a amamos por um monte de motivos e também por este, o de nos proporcionar histórias de família.