Livro: A Jangada de Pedra, José Saramago

É maravilhosa a leitura de A Jangada de Pedra.


O leitor se sente extremamente envolvido pela saga dos personagens que se sentem, cada um a seu modo, responsáveis pelo fenômeno de soltar-se do continente, a Península Ibérica. Afinal a jangada de pedra é como uma nau portuguesa em sua viagem de descobrimentos fantásticos.

Que vontade de adivinhar como Saramago conseguia inspiração para ligar tantos elos e de maneira tão espetacular, tanto na forma quanto no conteúdo. Como se dava a tal criação literária na alma deste homem? De onde surgiam ideias como intertextualizar Pessoa, Carlos Drummond, Camões; abordar fatos políticos (a entrada de Portugal e Espanha na Comunidade Econômica Europeia); trazer fatos misteriosos e mágicos para o enredo, como as revoadas de estorninhos sobre a cabeça de José Anaiço — que me lembram as revoadas de borboletas que antecediam as visitas de Mauricio Babilonia em Cem anos de solidão —, e a beleza poética duma mulher que traça um risco no chão com sua vara de negrilho (o olmo europeu homenageado por tantos poetas)? Isto sem falar do mote principal que dá nome ao livro e que é a releitura das grandes viagens marítimas, dos descobrimentos em que Portugal e Espanha tiveram papel fundamental?

Sem falar n'outro dos simbolismos do livro, a vara de negrilho que ao final, floresce. É Saramago fazendo referencia a episódios bíblicos, mais uma vez. Está registrado no livro do Velho Testamento, Números, capítulo 17, que a vara de Arão floresce milagrosamente porque as 12 varas não estavam plantadas em terra, estavam apenas colocadas dentro do Tabernáculo, juntas, cada uma representando uma das 12 tribos de Israel. Quando a vara de Arão floresce, é Deus elegendo para seu Sacerdote, um membro da tribo de Levi, respondendo com este milagre à rebelião do povo contra seus líderes Moisés e Arão.

A última frase de Jangada de Pedra:

"A vara de negrilho está verde, talvez floresça no ano que vem."

Além da vara de negrilho, floresceu também até junho de 2010 a criatividade fantástica de Saramago, em livros como este A Jangada de Pedra e em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, A Viagem do Elefante, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Ensaio Sobre a Cegueira, Ensaio Sobre a Lucidez, As Intermitencias da Morte, Caim e tantos outros.

A Literatura sentirá a ausencia deste português.