Os sapatos vermelhos do Papa



Os sapatos vermelhos do Papa, o filme O diabo veste Prada e uma jovem mãe preocupada com suas respostas ante as escolhas do filho pré-adolescente que quer vestir-se de preto, me levam a pensar "O que eu quero que o mundo pense de mim?" Até onde dissocio o que uso, o que penduro em mim, do significado que já está entronizado para a imagética da sociedade em que vivo? O curioso é que por trás do pastiche, cada ser humano imprime um pouco de si mesmo, envia suas mensagens mesmo naquilo que já parece imutável. Este movimento teve seu auge com a década de 70, com os hippies, quando ao invés de expressar obediência às regras, às hierarquias, os jovens começaram a usar uniformes com uma significação completamente oposta. Daí tantas casacas, tantos uniformes do exército nas ruas e até em capas dos discos dos Beatles!




Tudo foi amplificado: vestir-se era fantasiar-se, era uma grande brincadeira para adultos. Valia de um tudo. Desde homenagens à África, à Índia, aos índios, passando por trajes dos anos 1800, saias longas, franzidas usadas com botas militares, coletes de fraques ingleses cheios de espelhos, cartolas, boás, some flower in your hair.
Até mesmo cada Papa imprime alguma característica pessoal, alguma preferencia sua aos uniformes que convencionou-se eles terem que usar. poque "Originalmente, os sapatos papais eram feitos de couro tingido de vermelho e decorados com uma cruz dourada, que devia ser beijada por aqueles que se dirigiam ao pontífice. Paulo VI eliminou a cruz dos calçados e interrompeu o costume do beijo. João Paulo I os usaram bem como João Paulo II no começo de seu pontificado. Logo depois, o papa polonês os substituiu por sapatos marrons comuns. Bento XVI nunca usou sapatos Prada, mas sim de um sapateiro peruano."

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,acham-que-meus-sapatos-sao-prada--,1001936,0.htm

A grande maioria dos tatuados não é marinheiro, pirata, noctívago ou do submundo. Não somos tão simples assim. Somos únicos até mesmo quando decidimos que usaremos algo tão neutro que pareça dizer que não ligamos para a escolha que fizemos. Até esta escolha é de caso pensado. Então, que nos deixem ser aquilo que neste momento acreditamos que queremos ser até que venha o momento seguinte e o outro e o outro...

13 de julho


"13 de julho


Sete dias sem uma nota, um fato, uma reflexão; posso dizer oito dias, porque também hoje não tenho que apontar aqui. Escrevo isto só para não perder longamente o costume. Não é mau este costume de escrever o que se pensa e o que se vê, e dizer isso mesmo quando se não vê nem pensa nada."


Machado de Assis em "Memorial de Aires"

Fuja da luz

"E não tinha nada de mais, nada de mal, que meu coração tivesse se quebrado, de tão usado." Ressurreições/1, Galeano em O Livro dos Abraços.

Ao contrário do que é habitualmente esperado, minha experiencia com a morte não teve luzes fortes no fim do túnel, nem visões de mensageiros do paraíso, não flutuei acima do meu corpo, não ouvi vozes, enfim, nada do plano místico ou metafísico. E continuo com medo da morte. Admito também que uma das coisas de que mais sinto falta é da blusa que usava no dia e que alguém cortou rapidamente pra fazer a massagem cardíaca. A blusa novinha, comprada depois de muita hesitação, cortada assim, inutilizada. Saudade.
A primeira coisa de que lembro é que urrava, gemia, gritava enquanto retornava da parada cardíaca. Dei muito trabalho à equipe da UPA naquele 15 de março. Pode parecer grosseira a comparação, mas meus grunhidos pareceram os gritos de sofrimento de cada porco que se matava em casa, por meu avô e tios. (Nunca consegui chegar perto do local onde aquilo acontecia por causa dos gritos do animal pressentindo a morte.). Aquela equipe talvez se lembre da mulher que se debateu furiosamente como se não quisesse voltar daquele estado sereno que a breve morte lhe proporcionou. Saudade daquela paz também.
A segunda coisa de que lembro é de uma mão fria tocando meu braço, e uma voz dizendo: "dona Nilva, dona Nilva, está tudo bem agora, nós estamos aqui para levar a senhora para o HFAG, tudo bem?" Ante meu aparvalhamento, repetiu que era a Dra. X e que iam me levar para o hospital, que eu tivera um infarto, mas agora estava tudo bem. Lembro dos cabelos dela logo abaixo das orelhas, lisos e pretos. O primeiro rosto que vi era agradável e me olhava com uma doçura atenciosa. Na ambulancia, várias vezes repetiu a pergunta, se estava tudo bem e, claro, eu balbuciava que sim, mas a ficha ainda não caíra e eu ficava a maior parte do tempo sonolenta, confusa.
A ficha só foi cair dias depois quando eu já havia colocado o primeiro stent e, internada, esperava a recuperação para colocar outro stent 15 dias após o infarto. Após a saída de minhas visitas, comecei a sentir tamanha angústia, tão intensa, tão terrível, que não consegui reprimir um pranto convulsivo, o que fez com que a equipe de enfermagem me mandasse de volta para a UTI. A ficha caíra.
Ai, meus sais!
Nunca li tanta bula de remédio em minha vida. Nunca antes na história dos meus 50 anos, pensei com carinho ou mesmo dei graças aos céus por existirem. Cloridrato, propatilnitrato, salicilato, estatina, antiarritmico, antiplaquetário, xinafoato, propionato, antiácido. Estas substâncias têm mantido meu pobre e cicatrizado coração (e outros órgãos afetados colateralmente) funcionando, ainda que milhões de vezes (algumas delas paranoica, noutras comprovadamente não), ele tenha desembestado a bater num ritmo doido e irregular que faz lembrar Joe Morelo, o baterista do Dave Brubeck Quartet, em Take Five (sempre quis mencionar isto).
Retornei ao hospital várias vezes no decorrer de 2011 até somar 6 stents em diferentes artérias. O que quer dizer que já estou vivendo naquele futuro da sci fi, um futuro que chegou para mim em forma de molinhas, algumas de aço inoxidável, outras bioabsorvíveis. Lindas molinhas, caras molinhas (nos dois sentidos, financeiro e sentimental).
Estou, portanto, biônica e valiosa. E newvivinha da silva basilio.

Restou uma sensação de que não mereço a graça desse livramento. Como se o curso natural das coisas tivesse sido interrompido e eu tivesse infringido desígnios superiores. Uma espécie de vergonha de ter sido contemplada com mais essa chance enquanto que a tantas outras pessoas este recurso foi negado. Quer dizer então que muitas mortes podem ser evitadas desde que se esteja na hora e lugar certos? Convivo também com a sensação de que escapei mas que será por pouco tempo. A princípio isso me paralisou. Todo o tempo ficava observando meus batimentos, meu tipo de suor, se havia como que um bolo que não conseguia digerir, se a boca estava seca, se tinha cãimbra, se estava infartando novamente. Medo paralisante. Depressão. E o infarto me empurrou pra uma zona de autoproteção. Tento me proteger todo o tempo de qualquer coisa que me faça sofrer (como se fosse possível).

A primeira vez que cantei e dancei o reggae de Bob e a homenagem de Gilberto Gil, senti tamanha alegria como se tivesse sido libertada de toneladas de opressão. E senti mesmo as "positive vibrations".

Jah Love Protect Us!







Filme O Mestre da Música

Após a morte de Joachim Dallayrac, sua mulher diz:
"Agora eu gostaria que o tempo passasse depressa."