Livro: A praga escarlate, Jack London

Minha amiga Marcia gostou muito de A praga escarlate ou d'A morte vermelha, simplificando, como diria o menino Hoo-Hoo. Afinal pra que falar palavras difíceis como iguaria, como escarlate? O que interessa é que o caranguejo alimenta, que a doença torna vermelhos aqueles contaminados por ela.
London escreveu este pequeno livro em 1912 e projetou para 2013 a dizimação da raça humana. A história é contada por um velho que sobreviveu à catástrofe. Ele viu a máscara frágil com que nos fantasiamos de civilizados cair e os homens se tornarem selvagens, usando de meios bárbaros para se manterem vivos.
O velho viaja em companhia de meninos e vai-lhes narrando a epopeia da raça humana, como a conheceu até o momento em que a praga surgiu. Lhes fala dos livros que escondera numa caverna. Não esconde deles que existiu algo chamado pólvora e que mais dia menos dia voltarão a fabricá-la. E ouve de um dos meninos que quando ele tiver descoberto como fazer a pólvora, os outros vão se submeter a ele.
O avô não tem ilusões, ele sabe que o futuro será sempre igual: a uma tragédia se segue sempre o recomeço da civilização que comete os mesmos erros, pagando o mesmo preço pelo progresso: sua destruição.

Cedinho



Sair cedinho de casa e, já na rua, perceber a movimentação na vizinhança, as luzes dos quartos acesas. Ali, o cheiro de café sendo passado; aqui, o ruído de chuveiro elétrico; na casa seguinte, algumas instruções sendo dadas aos que ficarão em casa.
Passam por mim mães com crianças no colo, indo pra escola, ainda dormindo e eu imagino que trabalho deram para serem vestidas, assim, molinhas de sono. Vejo o carro do vizinho saindo da garagem de marcha-a-ré, soltando fumaça e a despedida da esposa enquanto fecha o portão, segurando o robe na altura do seio porque não fecha direito.
Me dá bom dia um vizinho que vai apressado, carregando a bolsa de ferramentas e a marmita. Bom dia! Escuto um ruído e volto para olhar uma bicicleta rangendo ao peso do pedreiro que também vai para seu trabalho, ali mesmo na vizinhança. Vou andando e ouço os latidos de cachorros inconformados em ficar sozinhos, cachorros que choramingam enquanto seus donos saem pelos portões. Uma galinha está ciscando na grama em frente da casa e eu penso: será que fugiu enquanto o portão estava aberto e ninguém percebeu?
E o ponto de ônibus vai enchendo com a chegada das pessoas que vêm de todos os lados, saem de todas as ruas, travessas e caminhos que desembocam na estrada principal. Têm seu destino, sua rotina, sua direção. Cada uma vai tratar da vida, vai lutar por ela, vai matar o leão diário. Participo da procissão, me misturo aos outros e sou envolvida no burburinho especial de cada manhã.

Livro: O céu dos suicidas, Ricardo Lísias


André desistiu da dor.
Ricardo surta, mas transforma sua dor e sua loucura em arte, em livro, num livro-catarse pelo remorso, catarse pela impotencia frente a dor do amigo e frente a sua própria negligencia com o amigo que anunciava sua própria morte. E que não foi ouvido.
Por isso Ricardo grita.
André é surdo.
Ricardo grita e seu grito é uma tentativa de ser ouvido.
André se enforca.
André não vai para o céu.
Que Deus é esse que não permitiria que seu amigo gentil, generoso, seu amigo cavaleiro templário não fosse para o céu?
A solução é lhe dar um final de vida novo, com enterro cristão, com os participantes enumerando as qualidades do morto e o padre no cemitério rezando de novo.
Obrigado, Senhor.
Ricardo transforma toda saudade em uma coleção de memórias sobre o amigo.

“Uma coleção é como um amigo: é preciso saber tudo. Quem tem uma grande amizade sabe que, mesmo que estejamos longe dela, uma lembrança sempre retorna. Em uma viagem de trabalho, você deve estar preparado para, sem planejar, encontrar algo que interesse para a sua coleção. É como oferecer um presente a esse grande amigo.
Aqui está, André."